O exilado

Maciel de Aguiar

O EXILADO 

 

 

Com a aflição traspassada, 

o exilado prepara

o itinerário sem volta:
os olhos úmidos,
a voz entrecortada,

o abraço nos que ficam.

o olhar da família
reunida na sala,
os avós na parede
a fazer parte da história, 

são lembranças que ficarão 

sobre a vida expatriada.

— Qual o crime hediondo

  que cometeu em vida?,

indaga a mãe aos prantos, 

numa pergunta sem resposta,

que fará pelos anos

à espera do amanhã,

olhando a rua sem fim.
Tudo ali é compaixão,
como um morto-vivo levado 

sem destino presumível.
sem direito à cruz,
sem Atestado de Óbito,
sem causa mortis conhecida, 

onde uns confortam os que choram 

e outros, resignados,
esperam.
esperam,
esperam
pela ressurreição dos corpos.
O morto-vivo movimenta-se
lentamente até à porta
da casa repleta de amigos
que lamentam o acontecido:

— Vida infame,

  vida atroz,

  vida extirpada das entranhas,

  vida, vida, vida, vida,
  em momento de desonra…

O exilado agarra-se às paredes 

da infância perdida,
escoriando-se propositadamente 

para que as feridas abertas 

sirvam como um consolo; 

os pés descalços aos chãos 

batidos pelos caminhos 

que levam o aroma da terra 

e o vento frio nas faces 

acariciando as maçãs 

rubras que sobressaltam 

na hora da despedida. 

Na rua, os federais,
indiferentes a tudo, esperam,
esperam,
esperam,
esperam,
como uma concessão letal
aos que viverão de lembranças 

pelo resto de suas vidas. 

O exilado esforça-se
para manter-se como uma pedra 

quando o tempo desvenda 

a atmosfera da perda 

e o coração em pedaços, 

deixando em cada canto 

as mãos que lhe abanam 

o lenço como se fosse possível 

o dia do esquecimento.
Trotski deve ter sentido 

a mesma angústia no tempo 

quando seguiu o caminho 

ao encontro do assassino. 

Nos ombros, o peso da dor, 

e na cabeça, as mãos 

assassinas de Stalin,
deixando-se em cada passo 

que lhe exilou para sempre 

pelos anos de existência.
As mulheres choram pelos cantos; 

vestem-se de luto fechado, 

agarram-se com as lembranças 

das vidas que vão seguindo 

o relicário de provações 

diante do desconhecido,
até não se sabe quando. 

Gonzaga também deve ter sofrido 

a mesma dor do infortúnio, 

ao ser mandado ao longe 

do outro lado do oceano, 

pelo crime da conjuração 

de uma Liberdade tardia, 

deixando a sua Marília
com os olhos perdidos na janela, 

que as lágrimas ainda escorrem 

pelas entranhas da terra. 

O exilado, como uma dor,

deixa nos que ficam
a lembrança do infortúnio 

e leva para não se sabe onde 

a angústia dos desterrados… 

 

 

                      Rio de Janeiro, 9.10.74

 

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