Faça amor de dia.
Guarde a noite para
dormir e sonhar.
Faça a rosa espessa
fremir no mormaço
e o poço secreto
cobrir-se de orvalho.
Fature milhões
sem sair de um quarto:
os milhões da vida
que os bancos não guardam.
Não se desperdice
cativo ao trabalho.
Lembre-se: suor
mole em vida dura
cava sepultura.
Rompa com o seu sócio
e jogue na cesta
as letras de câmbio.
Cultive o seu ócio
e beije, na sombra,
o pistilo ardente
da rosa em sigilo.
Se quer evitar
o câncer e o enfarte,
siga o meu conselho:
não se mate no
trabalho ou negócio.
Arranje uma dona.
Um pregão da Bolsa
não vale o sussurro
de uma namorada.
Se quer lucro certo
invista no amor.
Mas — meu bom calhorda! —
não cometa excessos.
Matéria de sexo
requer parcimônia.
A poupança é tudo.
Com a bem-amada
faça o amor correto
(papai-e-mamãe,
mamãe-e-papai)
como antigamente
nos tempos das valsas
e dos candelabros
quando não havia
seqüestros de jatos
e de diplomatas.
Ah! ditosos tempos
sem Freud e sem Marx.
Os computadores?
São uns mentirosos.
Produtividade?
Não creia em lorotas.
Não perca o seu tempo.
E ar refrigerado
só dá resfriado...
Não caia no conto
da tecnologia.
Fuja desta lepra
chamada dinheiro
que só dá prejuízo
e aborrecimentos.
Seja um homem prático.
Faça amor de dia.
Comentário do pesquisador
Os versos "quando não havia / seqüestros de jatos / e de diplomatas." podem ser vistos como uma referência à ditadura militar, tematizada por meio da nostalgia de tempos melhores, quando era, para o eu lírico, mais fácil amar. Em 1970, ocorreu uma série de sequestros a autoridades diplomáticas, organizados e executados por militantes da esquerda armada como forma de negociar presos políticos do regime e denunciar os abusos de poder para outros países: em 1969, o embaixador americano Charles Elbrick foi sequestrado e solto em troca da libertação de 15 presos políticos. Em 11 de março de 1970, o consul japonês Nobuo Okuchi foi solto depois de o governo militar garantir a libertação de cinco presos políticos, além dos três filhos menores de uma das detentas. Três meses depois, em 11 de junho, o embaixador da Alemanha, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben, também foi sequestrado. Os guerrilheiros (entre eles, Alex Polari) divulgaram uma lista com 40 nomes de presos políticos que deveriam ser libertados em troca do embaixador. A negociação foi bem sucedida e os presos políticos foram exilados na Argélia. Holleben foi solto com um documento em que os militantes denunciavam a prática de torturas no Brasil e que o diplomata ajudou a divulgar na Europa. O último caso do ano foi no dia 7 de dezembro: o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. Carlos Lamarca participou dessa ação. Foi a mais longa negociação da ditadura – 40 dias. Quando finalizou, 70 presos políticos embarcaram para o exílio no Chile. Entre 1969 e 1972, os opositores ao regime também recorreram ao sequestro de aviões de passageiros como forma de se exilar. Ao todo, foram 15 casos.