XXV
Exilado no céu em luto por toda a natureza
como o aviso, o holofote escuro
sob o gás dióxeno e as "malditas nuvens"
da fábrica Icmesa, em Seveso.
No céu em luto por toda a natureza
escorrendo dentro do futuro morto
entre a transparência e o peixe asfixiados
sob o lixo e os detritos e os resíduos
da ganância apodrecendo a vida
no Tietê, no Capibaribe, no Paraíba, no São Francisco
e no Guaíra.
Comentário do pesquisador
Esse trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Desenvolvimento", do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema, que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.