XLI
Exilado na humanidade sonhando nestes livros
cujas lombadas a polícia leu
como leu no poste a lista
do jogo do bicho
ou no aeroporto os nomes
dos tidos como subversivos
Exilado nos livros, em todos os livros
que de nada me serviram quando
a luz do que era a casa se apagou
e as minhas janelas se abriram para
a escuridão maior
que somente os mortos conhecem
em seus caixões sob a terra
Exilado nos livros erradamente lidos como bíblias
neste tempo que explode em outros tempos
além do nosso ouvido e nesta
retina planetária da TV
a religar diariamente
velocidade nova ao pormenor humano.
Comentário do pesquisador
Esse trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Desenvolvimento", do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema, que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.