XI
Exilado no sermão da montanha soterrado
sob a mão que saúda e não anicha
o dia —— como um pássaro —— não mão do outro;
sob
a bomba terrorista e o ódio posto nela
sem outra direção que a da morte
das várias outras direções da vida;
sob
a delação como forma de salário
para a alma presa nos esgotos
em que vive a devorar-se, lixo humano;
sob
a singularidade de qualquer riqueza
que não seja a justa paga do trabalho.
Comentário do pesquisador
Este trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Desenvolvimento" do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.