UMA LIÇÃO ESCOLAR
Para Humberto Grillo.
O professor diz ao aluno
que insiste em descobrir coisas
que não se aprendem na escola.
Os olhos bailarinos
viram tochas incandescentes
queimando o coração
dos infantes que observam:
— Liberdade não tem preço,
pode valer uma vida,
pode significar uma luz…
Liberdade é Liberdade,
tanto vale
quanto buscamos!
O professor se fecha
num jaleco de giz,
vira-se para o quadro
e retoma o pensamento
que vaga pela sala
aos olhos atentos dos meninos.
Todos aflitos esperam
diante das palavras
profetizadas ao vento
deste tempo impossível,
enquanto as bocas soletram
a lição extra-curricular:
— Liberdade é Liberdade!
Veio o Toque de Recolher,
o professor foi embora
levado no camburão.
O menino se perdeu
nas ruas de outra cidade,
veio para Minas
tirar ouro do nariz,
trazendo nos ouvidos
as palavras para sempre
e o ofício de ensinar
a lição proibida.
Muitos anos se passaram
e o menino foi buscar
o encontro com o professor
em destino ignorado:
— Meu mestre, que me ensinaste
lição impossível e tão bela,
que Liberdade não tem preço,
que fazes neste suplício,
que sangue é este, que rio
que desce de teu peito frio?
O professor em seu casulo,
aparelho de solidão,
fechou-se a sete chaves,
com as pálpebras de chumbo,
o soluço de dor,
olhando para o menino
com voz entrecortada:
— Liberdade se conquista
qual a mulher amada,
qual a montanha imensa,
qual a distância infinita,
ferindo o coração
na busca do impossível...
O menino com um caderno
de poemas entre os dedos,
qual um Dom Quixote
enfrentando o vendaval,
moinhos que ainda trituram
os sonhos acalentados,
retira das entranhas
a canção do destemor:
— Mestre, que me falaste
um dia da Liberdade,
na ponta de minha verve
vou buscá-la onde for,
nem que leve a eternidade...
O menino se escondeu
dos algozes que passavam
arrastando outros meninos
às trevas deste tempo.
O coração palpitante
parecia saltar-lhe,
montado em demônios,
exorcizando fantasmas,
para enfrentar o dragão
que a todos ameaçava
com labaredas de fogo,
esvaindo os que se atrevem
a encontrar o não permitido.
O menino saiu pelo mundo
com as armas em palavras,
canções para os mortos de hoje
e para os que renascerão
na alma do amanhã.
O professor não sabia,
mas ensinava lição
que valia por muitas vidas
em meia-dúzia de palavras.
Ponte Nova/MG, 18.5.70