TERCEIRA LIÇÃO
Longe dos vinhedos
Ivo viu a uva
e escutou nas telhas
a canção da chuva.
Ivo viu a ave
esconder o ovo
e escutou nas praças
a canção do povo.
Ivo viu a porta
mas não viu a chave.
Ivo ouviu a música
mas não viu a clave.
Ivo viu a ave.
Ivo viu o ovo.
Suja primavera,
caminho do povo!
Comentário do pesquisador
O poema, assim como "Primeira lição" E "Quarta lição" (também presentes nesse repositório), está publicado na seção "A cartilha" da obra "Estação Central" (1964). Embora o livro contenha poemas escritos entre 1961 e 1964, optamos pelo registro desse poema por compreendermos que ele capta uma espécie de "espírito do tempo" otimista que antecedeu o golpe militar. Como sabemos, pautas progressistas estavam sendo discutidas e implementadas durante o Governo João Goulart. Uma delas era a criação da "Campanha Nacional de Alfabetização, coordenado pela Comissão de Cultura Popular (CCP), sob a presidência do educador Paulo Freire. O objetivo da campanha era disseminar pelo território nacional o método Paulo Freire, desenvolvido pelo Movimento de Cultura Popular (MCP) em Pernambuco, testado em vários estados do Nordeste e levado ao Rio, São Paulo e Brasília pelo Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). O governo João Goulart fora atraído pelos impressionantes resultados obtidos pela Pedagogia do Oprimido — como Freire designou o seu método — nas experiências de Angicos e Mossoró (RN) e João Pessoa (PB). Em Angicos, 300 trabalhadores foram alfabetizados em 45 dias". Fonte: http://memorialdademocracia.com.br/ Os versos do poema - que simulam os enunciados de uma cartilha de alfabetização - podem remeter a essa campanha, que concebia a formação de consciência de classe como inseparável da alfabetização. Leitura e leitura de mundo andavam de mãos dadas.