CORREDORES
Escadas,
escadas,
escadarias mortas.
Corredores,
portas,
corredores.
Escadas descendo,
descendo,
descendendo da sombra geral,
homens descendo aprisionados
— subterrâneo território de ferros.
Aqui não há paredes.
As claras paredes de tua infância.
Aqui a bruta muralha.
Sem cor. Sem esperança.
Espesso barro de trevas.
Corredores,
portas,
corredores.
Na margem da consciência
uma dor golpeia aguda
e me sinto como um menino
recomeçando a marcha de seus mortos.
Escadas,
escadas,
escadarias mortas.
Sob as escadarias
há portas.
Portas breves como olhos vazados,
buracos vazios na cara do muro.
Portas retendo a matéria da escuridão
como a alma dos cegos.
Corredores,
portas,
corredores.
Sobre meus olhos, minha pele,
se tece esta muralha de silêncios.
Sei que se faz hoje mais espessa:
há um nome a mais
gravado em sua noite.
Há nomes que não cicatrizam,
sangram de sua sombra
lentas gotas de manhã.
Escadas,
escadas,
escadarias mortas.
A carne do muro
sepulta os ossos de rebeliões
destroçadas.
Nos olhos reponho
o infinito recomeço do fogo
e por ele, infinitamente, renasço.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema “Corredores” integra a seção “Retorno ao labirinto”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Consta na página de abertura da seção: “Este poema nasceu soterrado. / Nasceu da morte de Bacuri, / meu companheiro e meu irmão. / Permaneceu sete anos destilando sua dor / pelos corredores, afiando os dentes, / buscando a força e a vestimenta do grito. / Encontrei-o – cristal e ferro – entre / as paredes de meu dia e aqui e vos entrego” (TIERRA, 1979, p. 100). A mensagem de abertura sugere que as partes seguintes compõem um único poema. Por outro lado, considerando-se o projeto gráfico do livro e o paralelismo com as demais seções, cada parte pode ser lida como um poema autônomo. Por isso, as partes foram aqui registradas separadamente, com o título geral da seção informado entre colchetes, seguido do título de cada poema particular. Na segunda edição do livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Corredores” nas páginas 119-120, apresenta em prosa a advertência de abertura da seção e informa que o poema foi escrito em abril de 1977.