AÇOITE
É pau
é golpe
é corpo
é corda.
O corpo
é arco
é pau
é corda.
O corpo
é grito
é golpe
o corpo
acorda.
Tive mãos:
palmas abertas
de semear.
É pau
é golpe
é corpo
é corda.
Tive pés:
plantas libertas
de caminhar.
O corpo
é arco
é pau
é corda.
Aqui a corda
se quer navalha:
devora o limite do corpo.
O corpo
é grito
é golpe
o corpo
acorda.
As mãos,
os pés,
as amarras,
pendem:
trapos de nuvem ensanguentados.
É fio
é faca
é fogo
é fúria.
O último voo
desta garganta
— pássaro sem pluma —
rompeu-se contra o muro.
É golpe
o corpo
é grito
é massa
é morte,
lento bagaço de agonia.
A serviço do silêncio,
o ar recusa a voz.
Sobre o grito
se fecha o ar.
O sol brilha
sobre os fugitivos
os acidentados
os suicidas...
O sol, eu sei,
brilha sobre o país
— em paz...
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema “Açoite” integra a seção “Retorno ao labirinto”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Consta na página de abertura da seção: “Este poema nasceu soterrado. / Nasceu da morte de Bacuri, / meu companheiro e meu irmão. / Permaneceu sete anos destilando sua dor / pelos corredores, afiando os dentes, / buscando a força e a vestimenta do grito. / Encontrei-o – cristal e ferro – entre / as paredes de meu dia e aqui e vos entrego” (TIERRA, 1979, p. 100). A mensagem de abertura sugere que as partes seguintes compõem um único poema. Por outro lado, considerando-se o projeto gráfico do livro e o paralelismo com as demais seções, cada parte pode ser lida como um poema autônomo. Por isso, as partes foram aqui registradas separadamente, com o título geral da seção informado entre colchetes, seguido do título de cada poema particular. Na segunda edição do livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Açoite” nas páginas 115-116, apresenta em prosa a advertência de abertura da seção e informa que o poema foi escrito em abril de 1977.