Reencontro na clandestinidade
Foragidos e clandestinos,
procurados pela repressão militar,
nos encontramos em uma praça de Ipanema.
Não perderia aquela oportunidade,
ainda que corresse maiores riscos de segurança,
menos pelo compromisso do ponto de encontro,
mais pela solidariedade dos que lutam, sofrem e persistem.
Não eras, para mim, uma companheira anônima,
escondida sob um nome de guerra heróico ou anódino;
porque assim nos impunha o jogo da luta inexorável,
que não ignorávamos e da qual não fugíamos.
Ninguém, ninguém que eu conheça,
poderia estar mais alheio àquele ambiente burguês
de uma tal forma que me impressionou,
a mim, que a tudo e a todos submetia ao duro crivo
de uma crítica ideológica sempre radical.
Melhor me conheci te conhecendo!
Tua imagem tosca, íntegra, se me delineou ao longe,
contrastando com os costumes das mulheres passantes.
Parecias saindo de
uma fábrica em Contagem:
lenço à cabeça e nenhuma pintura no rosto,
com simplicidade afirmavas tua graça feminina.
Sentados em um banco da praça
trocamos as informações necessárias,
e um tanto preocupados
com a segurança, o local e a hora,
conversamos.
Uma conversa na qual
as palavras tinham consequências
no passado, no presente e no futuro.
Choraste, na espontaneidade das lágrimas
e eu, ao modo dos que perderam as lágrimas
mas não os sentimentos.
Tínhamos por que e por quem chorar!
Neste rápido reencontro,
te conheci na grandeza de força e fraqueza;
companheira que eras, me revelaste mulher!
Comentário do pesquisador
O poema “Reencontro na clandestinidade” integra o volume “Poemas (quebrados) do cárcere”, publicado por Gilney Amorim Viana em 2011. Na “apresentação do autor”, o poeta afirma: “Estes raros e quebrados poemas foram escritos na década passada, quando estive encarcerado pela ditadura militar. Acredito que refletem minhas afetividades, dúvidas existenciais, certezas políticas e ideológicas vividas naquele período” (2011, p. 9). Sobre a segunda parte do livro, na qual está inserido “Reencontro na clandestinidade”, Gilney Viana informa: “Já os poemas seguintes foram escritos na Penitenciária Regional de Juiz de Fora, situada no bairro de Linhares, onde estive preso durante o período de 1970 a 1977. A conjuntura estava marcada pela ofensiva da ditadura militar contra todas as forças de oposição, armadas e não armadas, inclusive nos cárceres políticos controlados pelos militares dos serviços de informação, como a Penitenciária de Linhares. Para nós, presos políticos, só existia uma alternativa: a resistência física, psicológica, ideológica e política e, porque não dizer, também poética” (2011, p. 9).