QUARTA LIÇÃO
No jardim zoológico
Ivo num domingo
viu um dromedário.
Na segunda-feira
viu passar um trem
cheio de operários.
Ivo viu o ministro
plenipotenciário
coçar a urticária.
Ouviu o usurário
falar, apoplético,
da lei monetária
e a légua dormida
do latifundiário
crescer no notário.
Diante do sol sujo
Ivo viu o peixe
cativo no aquário.
E viu num enterro
a sucata do homem
na urna funerária.
Fora das igrejas
Ivo viu o Cristo
no alto do Calvário.
E viu o terror
das palavras presas
nos dicionários.
Ivo viu na rua
o gari achar
no lixo o salário.
Viu o salafrário
consultar o horóscopo
sob o Sagitário.
Na central elétrica
andando entre pilhas
Ivo leu de novo
a lição poética
de sua cartilha:
viu a energia
que ilumina o mundo
somar-se em partilha
nas subsidiárias
e ser luz do povo.
Comentário do pesquisador
O poema, assim como "Primeira lição" e "Terceira lição" (também presentes nesse repositório), está publicado na seção "A cartilha" da obra "Estação Central" (1964). Embora o livro contenha poemas escritos entre 1961 e 1964, optamos pelo registro desse poema por compreendermos que ele capta uma espécie de "espírito do tempo" otimista que antecedeu o golpe militar. Como sabemos, pautas progressistas estavam sendo discutidas e implementadas durante o Governo João Goulart. Uma delas era a criação da "Campanha Nacional de Alfabetização, coordenado pela Comissão de Cultura Popular (CCP), sob a presidência do educador Paulo Freire. O objetivo da campanha era disseminar pelo território nacional o método Paulo Freire, desenvolvido pelo Movimento de Cultura Popular (MCP) em Pernambuco, testado em vários estados do Nordeste e levado ao Rio, São Paulo e Brasília pelo Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). O governo João Goulart fora atraído pelos impressionantes resultados obtidos pela Pedagogia do Oprimido — como Freire designou o seu método — nas experiências de Angicos e Mossoró (RN) e João Pessoa (PB). Em Angicos, 300 trabalhadores foram alfabetizados em 45 dias". Fonte: http://memorialdademocracia.com.br/ Os versos do poema - que simulam os enunciados de uma cartilha de alfabetização - podem remeter a essa campanha, que concebia a formação de consciência de classe como inseparável da alfabetização. Leitura e leitura de mundo andavam de mãos dadas.