Quando Édson tombou

Maciel de Aguiar

QUANDO ÉDSON TOMBOU

 

 

Quando a voz que vinha do rádio

dilacerou os nossos ouvidos,

o corpo infante de Édson

foi levado nos braços

de milhares de outros meninos

que, pelas ruidosas ruas do Rio,

gritavam em uníssono a dor

frente os fuzis que apontavam,

para que os outros corações febris

não tivessem o mesmo destino.

Nós, da província distante,

também carregávamos o símbolo

de nossos sonhos desfeitos:

milhares de corpos esvaídos

por esse Brasil afora,

na transfiguração da dor

que invadia as carnes

ainda com os primeiros pêlos,

que surgiam anunciando

o ser no menino-homem.

Tínhamos a convicção de que as armas

eram apontadas na direção

de todos os ouvidos

trêmulos diante da voz

do rádio que anunciava

a tragédia da aventura

vivida por milhões

de venturosos pelas ruas.

Os escombros de tantos corpos

debruçados uns sobre os outros

enchiam de lágrimas os olhos

dos meninos que não tinham ao menos

os primeiros vinte anos,

nem tinham sentido

o sublime amor das mulheres,

ou, ainda, esvaído

as primeiras lágrimas na face,

por tantos caminhos andados

no chamamento da aventura,

que nos acena na aurora

de tantas vidas inquietas.

Quando a voz que vinha do rádio

anunciou que as balas

assassinas dos soldados

fizeram tombar no Calabouço

o corpo daquele infante,

nós, guerreiros com as armas

de papel escrito à mão,

abrimos como um Domingos Martins

o peito frente a este tempo,

para que talvez fosse possível

impedir a desventura

de carregar a nós mesmos

pelas ruas das cidades

perdidas pelo País,

intimidando com a coragem

os que nunca se intimidaram

pelos séculos de História.

Os estampidos ecoaram,

dezenas,

centenas,

milhares,

deixando pelos caminhos

os nossos mortos ao chão

traspassados na carne,

estanho cortando as vísceras,

fogo vazando as almas,

chumbo derretendo as veias,

destes estranhos tempos

que espalham pelo Brasil

uma imensa cortina de breu

e pólvora salpicando os ares,

não deixando para testemunho

nenhum dos que se atrevem

ao ato de mostrar o peito

diante do assassino.

Quando Édson tombou,

ouvimos ainda o estampido

que vinha com a notícia

pela voz estridente do rádio

sobre a cristaleira da sala,

para o desespero das mães

que procuravam impedir

que aquela notícia chegasse

aos ouvidos dos meninos,

arrebatados que seriam

para o longe dos olhos,

como bravos infantes guerreiros,

a enfrentar os canhões

com as suas armas de almaço.

Desde que Édson tombou, enfim,

nossos corpos aos milhares

pelos chãos do Brasil

também foram esvaídos...

 

 

                    Rio de Janeiro. 8.4.73

 

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