PRANTO DAS MULHERES VIÚVAS
Para Maria Eunice Paiva
e a todas as mulheres
que perderam seus maridos
tragados pela repressão.
As mulheres viúvas choram
pelos esconsos das casas;
lágrimas,
lágrimas,
lágrimas
de sangue que caem
tateando a lembrança
dos que foram levados
sem deixar uma carta,
uma data,
um endereço,
um vestígio.
As mulheres viúvas derramam
lágrimas de dor
pelos chãos úmidos da Pátria.
Inútil choro, mulher…
Seu marido desaparecido
se foi, levado pelos braços da morte
aos gritos de dor
e confissões pelos crimes
cometidos pela consciência,
entre soluços repetidos
diante das gargalhadas,
frente à impossibilidade,
à satisfação do regime.
As mulheres em longos vestidos
derramam lágrimas pelas trevas
e fecham-se em recordações.
Quantos afagos,
quantos beijos,
quantos carinhos
resistem ao tempo?
Impossível procurar explicações, mulher…
Ninguém sabe,
ninguém ouve,
ninguém vê
além do que é permitido.
A tragédia cobre com um véu
as cabeças angustiadas
e arrasta à escuridão
os prantos em cadência fúnebre
da marcha nacional.
As mulheres enlouquecidas,
mostram o álbum de fotografias,
levam os filhos menores
agarrados à saia,
as roupas de dormir,
os sapatos usados,
a cadeira de balanço,
o relógio de algibeira,
agora sem donos,
como prova de uma existência.
– Isto era dele…
– Isto era dele…
– Isto era dele…
Inútil procurar informações, mulher…
O seu marido foi visto
conversando com o próprio cadáver,
mas ninguém sabe,
ninguém ouve,
ninguém vê;
é a impunidade que coloca-se
acima dos direitos da pessoa,
sobre a toga dos juízes,
enquanto o País soluça
abafado na escuridão,
empurrando os mortos
rumo ao desfiladeiro.
As mulheres em vestido de luto
indagam,
indagam,
indagam
em prantos pelos esconsos,
pelas ruas,
pelos becos,
pelas praças,
arrastando as lembranças,
com uma fotografia nas mãos,
perguntando aos que passam:
– Você viu este homem?
– Você viu este homem?
– Você viu este homem?
Mas ninguém olha a fotografia
desbotada em suas mãos.
As mulheres viúvas,
em busca perene pela vida
que se esvaiu nas trevas,
lavam os chãos da Pátria
com lágrimas de sangue…
Rio de Janeiro, 9.4.74