PELA PRIMEIRA VEZ
Da testa afundada por torniquete
escorriam rios de sangue;
dos olhos fundos
quase lúgubres
vi a escuridão das trevas;
dos braços em cruz
como a implorar piedade
senti as mãos traspassadas.
Que imagem é esta,
que corpo de provação,
sofrimento
e dor?
Assim o vi
sem nada saber
daquele corpo execrado
pelos séculos de História.
Que crime cometeu,
que castigo sofreu,
que crucificado é este?
Que mal fizera em vida,
quantas tragédias provocara,
quantos horrores praticara?
Assim o vi,
estendido no adro
da Igreja da Conceição
da Barra do Cricaré;
os joelhos escoriados,
e as marcas da violência
por toda a carne esvaída,
me angustiavam a mente,
em muitas indagações.
— Quantos golpes?
— Quantos açoites?
— Quantos suplícios?
Carreguei em minhas noites
aqueles infames presságio
vendo-me um pouco pregado
naquela cruz de antanho,
os braços também estendidos,
o corpo escoriado
e na cabeça as marcas
do torniquete de espinhos
a afundar-me o crânio,
pelo longe do tempo...
Perguntei pelos crimes
cometidos contra o mundo,
tanto ódio que via,
tanta marca de vingança,
tanto mal cometido,
tanto martírio perpetrado
no corpo daquele homem
em meus pesadelos de menino…
Indaguei pelas ruas,
pelas praças,
nos livros,
nos esconsos da cidade,
possuído pela aflição.
Assim o vi estendido
em sua câmara mortuária,
recordação que carrego
em minhas alucinações
de ver-me também deitado
naquele canto da nave,
sob escombros dos olhos,
sem direito à sepultura.
Assim, pela primeira vez,
o senti em minha pele,
abraçado à causa
da luta eterna do homem
em busca da Liberdade...
Ah! Esse camarada Jesus
ainda me assusta
e me afaga
com sua aura de dor…
Ponte Nova-MG, 3.5.70