PAU-DE-ARARA
à Rômulo e Ilma Noronha
Os torturadores
brincavam com meu desespero
irônicos, sem se preocupar
em serem reconhecidos
Suspeitavam de coisas não sabidas
deixavam escapar pistas
enterradas em remotos desterros
buscavam lembranças escondidas
nos cárceres do esquecimento
Já não aguentava mais pensar
antes de falar cada pergunta
feria uma imensa saudade
Maiores eram as pilhérias
maior a sanha dos torturadores
Não abri a guarda
queriam arrancar de mim
dentes de sonhos
unhas de utopias
A dor agora se esvaía
meu peso era o maior inimigo
as têmporas latejavam
aplacadas por dores lancinantes
até apagar imagens e gritos
Por alguns segundos
me vi no quintal da infância
soltando pipa
em um dia ensolarado
Acordei com o rosto molhado
d´água de um balde sujo
diluiu o sangue e lavou meu choro
com cheiro impregnado de morte
Ivan Lemos
Rio, 4 de novembro de 1973