OS SOBREVIVENTES
Os sobreviventes
às vezes ainda aparecem
em busca de papo
ou qualquer coisa assim.
Ainda trazem os cabelos compridos
duas ou três pulseirinhas
alguns panos coloridos
ou um incenso nas mãos.
Só os olhos mudaram.
Aquela loucura das pupilas
aterrizou, virou espanto
de ter virado espanto.
Pois um sobrevivente
nunca imaginou que pudesse um dia
virar sobrevivente de um tempo
e de si mesmo. Mas virou.
Pelas tardes, de repente,
os sobreviventes ainda aparecem
procurando nos meus olhos
o que nos olhos deles já não existe.
Mas nada encontram.
Faz tempo, rasguei as fantasias
pendurei os colares nas paredes
mandei o pano indiano pra lavanderia.
Nos reconhecemos assim
esbarrando pela noite ou pelas tardes
feito zumbis de almas para sempre perdidas
no sonho que se foi. E que não volta.
O ofício agora é navegar sozinho.
Sem razão, sem porto, sem destino,
sem irmão nem mapa. Sobre-vivendo
à nossa própria morte. E isso é tudo.
Sampa, 23 de julho de 1979