OS MORCEGOS DA RUA FREI CANECA
À memória de Antônio Joaquim Machado,
advogado desaparecido.
Os morcegos que habitam
os telhados encardidos
da Rua Frei Caneca
alimentam-se do sangue
dos desaparecidos que escorre
pelos esgotos em enxurrada,
sangria das vidas extirpadas
nas salas de tortura.
Nas trevas das noites de agonia,
os gritos uníssonos da dor
invadem os balaústres
do velho sobradão do assombro,
quando os hematófagos alados
se misturam aos de farda
para saciarem a sede
nos corpos inertes
que jazem nas solitárias
à espera dos necrófilos.
As placas levadas
pela sola dos coturnos
indicam o caminho do cadafalso,
deixando pelos corredores
as marcas de nosso tempo.
Os morcegos bailamvoam
sobre a nossa tragédia de hoje.
Impossível impedir a satisfação
dos hematófagos de farda.
Dezenas,
centenas,
milhares
misturam-se aos de asas
para sugar a vida
dos meninos indefesos
diante da ira do regime.
– Oh! Asas assustadoras,
que sobrevoam a frágil
e delicada esperança,
cravando nas veias latejantes
as garras em fúria.
– Bebam
bebam,
bebam
de nossos rios rubros arteriais
o plasma que nutre os assassinos…,
enquanto os que serão esvaídos
imploram aos algozes:
– Ah! Miseráveis sanguinários,
acabem logo com esta ignomínia…
Os glóbulos vermelhos,
em estado de rendição,
alimentam a sede das guelras
que invadem as celas do suplício
e nos fazem impotentes
diante dos olhos dos carrascos.
Bebam o suco das vidas…
Alimentem-se,
alimentem-se,
alimentem-se
dos infantes venturosos…
Oh! Senhores vampiros…
Os morcegos que habitam
o sobradão da Frei Caneca
alimentam os seus instintos
nos corações rebelados…
Rio de Janeiro, 18.7.74