Os meninos com estilingues

Maciel de Aguiar

OS MENINOS COM ESTILINGUES

 

 

Os meninos com estilingues

enfrentam os soldados

com as armas devastadoras.

Pedras,

paus,

coquetéis

contra as couraças blindadas

dos tanques em barricadas,

enquanto as bolinhas de gude

deixam o regimento

de pernas ao ar

em plena avenida,

diante dos generais:

—— Meninos atrevidos!

—— Nós os mandaremos ao inferno!

—— Nós arrancaremos suas unhas!

—— Nós os deixaremos nas solitárias!

—— Nós os faremos rastejar!

—— Nós os jogaremos ao mar!

—— Nós os torturaremos até à morte!

—— Nós traspassaremos seus sonhos!

—— Nós impediremos sua história!

—— Nós os mataremos aos poucos!

Os deuses da inquietação,

que sopraram em Cristo

a voluntariedade dos anos,

foram os mesmos a soprar

o sangue em pulsação

nas veias dos venturosos,

peitos prontos para enfrentar

os fantasmas pelas trevas

sem se importar com o que haverá

de vir sobre os vinte anos:

—— Sejamos como as tempestades

   que atormentam os navegantes...

—— Sejamos como os conquistadores

   que não temem o desconhecido...

—— Sejamos como as borboletas

   que não temem os caçadores...,

gritam com todas as forças

de seus anos de rebeldia,

mesmo que muitos nem ao menos

possam dobrar a primeira esquina,

mesmo que nem ao menos

tentem transpor o primeiro obstáculo,

mesmo que nem ao menos

consigam o direito à sepultura.

Gritam com todas as convicções

que lhes alimentam a alma,

gritam,

gritam,

gritam

na Avenida Rio Branco,

na Praça da Bandeira,

na Lapa,

na Cinelândia,

na Praia do Flamengo,

em todos os cantos,

e deixam escorrer os veios

de insubordinação

e resistência,

mesmo que ninguém possa

ouvir-lhes as palavras ao vento

entrecortadas pela aflição,

frente os infames assassinos.

Os deuses da juventude

mandam anjos alados

fustigar os corações

dos venturosos neste tempo:

—— Despertem, cidadãos do mundo!

—— Nós os alimentaremos com a esperança!

—— Nós os encheremos de vida!

—— Nós os faremos apaixonados!

—— Nós os guiaremos nas trevas!

—— Nós os manteremos em prontidão!

—— Nós os carregaremos de energia!

—— Nós os proviremos de luz própria!

—— Nós os invadiremos com a Liberdade!

No outro dia, a cidade

pára a ouvir

os generais dando ordens

aos soldados que invadem

as ruas,

os becos,

as praças,

enquanto a multidão faz de conta

que nada sabe,

nada ouve,

nada vê

mais do que a um palmo

além do nariz:

—— Matem-os com suas armas!

—— Matem-os com sua ira!

—— Matem-os, é uma Ordem!

E os meninos enfrentam

os tanques blindados com a coragem,

tiros contra coquetéis,

tanques contra paus,

pedras contra os regimentos,

bolinhas de gude contra os cascos

dos cavalos que relincham

sob a fúria do regime:

—— Meninos miseráveis,

   levem consigo nossa praga

   para todas as gerações!

Os que virão daqui a um século

ainda enfrentarão o infortúnio

das palavras dos generais

contra os infantes do mundo:

—— Nunca mais terão direito

   à voluntariedade dos anos

   nem ao remanso das horas...

Os meninos com estilingues

enfrentam o destino de hoje,

quando nem ao menos viveram

os vinte primeiros anos

e já querem derrubar o gigante

com as fundas que arremessam

pedras no longe do tempo.

Meninos com estilingues,

vos saúdo pela coragem

com esta canção impossível.

Meninos com estilingues,

vos mando esta mensagem.

Meninos com estilingues,

vos deixo meu testemunho:

—— Vossa glória será eterna...

 

 

  Ponte Nova-MG, 23.5.70

 

 

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