II — A ESPERA
A noite rouba o contorno das coisas.
Um silêncio povoado de perguntas
habita a casa e teus olhos, mãe.
As crianças adormeceram sem resposta.
Plantada no peito
uma secreta semente de inquietude.
Acidente? Os hospitais não responderam.
A noite abriga muitos perigos.
Os poderosos do dia se calam.
Há, contudo, muitos crimes no país...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Um rumor de passos na escada.
A angústia desfeita, uma vontade
de rir dos vãos temores,
das horas perdidas de sono.
Mas a porta range
como se reclamasse mais carinho
e os sapatos na sala não têm
o jeito sossegado de quem retorna.
Têm, antes, um pisar sombrio
que marca o chão e teus olhos, mãe.
Vieram calados
como um vento de desesperança.
A chuva insiste em dissolver
os passos esquecidos no jardim.
Resta agora um silêncio maltrapilho
como o instante que precede o pranto.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "II - A espera" integra a seção “Os esperados”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Consta na página de abertura da seção: “Este poema é dedicado a todos os pais, todas as mães, filhas, esposas, órfãos que procuram, sem resposta, a vida ou a morte dos seus”. A dedicatória sugere que as partes seguintes compõem um único poema. Por outro lado, considerando-se o projeto gráfico do livro e o paralelismo com as demais seções, cada parte pode ser lida como um poema autônomo. Por isso, as partes foram aqui registradas separadamente, com o título geral da seção informado entre colchetes, seguido do título de cada poema particular. Na segunda edição do livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “II - A espera” na página 88, informa que esse poema foi escrito em janeiro/fevereiro de 1975.