OS CORPOS AO RELENTO
Os corpos nus perfilados
esperam pela ignomínia
do suplício desumano
a que serão submetidos
diante dos olhos de todos,
em frente à tirania
que espreita pela vidraça
com o peito povoado
de medalhas e alegorias...
Uns, vão cheirar fumaça de óleo diesel,
com as mãos atadas às costas,
as narinas desprotegidas
ao escapamento dos carros,
arrastados pelos cabelos
até o desfalecimento.
Depois, serão jogados
uns sobre os outros ao relento,
em cena que faria Hitler
extasiar-se de prazer
e inveja,
pois somente a Gestapo
seria capaz de tamanha barbaridade.
Os corpos nus nas celas
esperam pela desonra
do castigo degradante
a que serão submetidos
diante dos olhos de todos,
enquanto os torturadores
palitam os dentes com ironia
esperando o momento
de jogar aquelas vidas aos porcos.
Alguns vão lamber os excrementos
dos generais coléricos,
as faces sob domínio,
até que possam engolir
a matéria fecal
diante das bocas
apertadas contra o chão,
em cena que faria Hitler
empanturrar-se de alegria
e repulsa,
pois somente a Gestapo
seria capaz de tamanha degradação.
Os corpos nus dependurados
esperam pelo suplício
a que serão submetidos
no pau-de-arara que, por si só,
já é uma temeridade.
Enfiam-lhes a mangueira d’água
nas narinas latejantes,
explodem-lhes os cassetetes
na sola dos pés
e nos testículos,
em porradas intermináveis.
Uns não mais terão forças
para o pedido de socorro;
serão jogados ao relento
como aves abatidas,
onde as marcas indeléveis
sobressaem em cicatrizes
abertas por toda a parte
das carnes combalidas,
em cena que faria Hitler
sentir-se satisfeito
e patético,
pois somente a Gestapo
poderia produzir igualmente aquele inferno.
Os corpos nus nas celas
de metro e meio de largura
vão ouvir dos demônios
as vozes que lhes traspassam
os tímpanos debilitados,
enquanto os alto-falantes
tocam músicas ufanistas
intercaladas por gritos
dos que antes se submeteram.
Uns vão sair cambaleantes
pelos corredores sem fim,
os passos descompassados
sobre as próprias pernas trêmulas,
enquanto as mãos nos ouvidos
tentam abafar os sentimentos
guardados desde a mais tenra idade,
em cena que faria Hitler
subir pelas paredes
em alegria
e prazer,
pois somente a Gestapo
o faria mais feliz.
Os corpos nus perfilados
esperam pela ignomínia
deste nosso tempo de hoje...
Uns vão cheirar fumaça de óleo diesel,
outros vão lamber os excrementos;
uns não mais terão forças,
outros vão sair cambaleantes
para o esquecimento das covas.
Hitler se curvaria inferiorizado
diante das atrocidades
do nosso sistema repressivo.
Os nossos corpos nus perfilados
fazem o êxtase dos tiranos.
Hitler morreria de inveja...
Rio de Janeiro, 2.6.73