OFERTA DOS VENCIDOS
Nas ruas sem fim
os deserdados do Milagre
alimentam-se do lixo.
Milhares de mãos disputam
o resto das iguarias
que sobrou do banquete
das noitadas do fausto.
Meninos subnutridos
procuram o sustento
enfrentando a fúria
dos ratos famintos
e dos cães vadios,
que defendem o território
fétido
e miserável
invadido por outros animais.
Meninos adotados pela desgraça
aprendem a lição dos vencedores
ensinada na escola,
que passeia a iniqüidade
sobre os corpos dos que perdem
a batalha contra a fome;
diante do poder
que difunde a propaganda
como uma caixa de sonhos.
As escolas de delinqüência
espalham-se pelo território,
ensinando a cada um
como correr da polícia
e fazer pequenos ganhos
enquanto o tempo não vem.
Meninos que aprendem
o bê-a-bá dos procurados
pelo Esquadrão da Morte
que lhes espera numa esquina
da vida por um fio,
com os corpos ainda infantes
perfurados feito peneira
pelas balas assassinas
dos agentes federais
que exterminam os órfãos
do Milagre prometido.
—— Oh!... Meninos deserdados
que serão mortos amanhã
pelos que hoje lhes negam
o saber e a cidadania,
ofereço esta canção
em louvor aos possuídos.
Oh!... Filhos de uma Pátria
que ofereceu os assombros
para a servidão dos corpos,
que vivem sob os escombros,
criados nos guetos,
sob o teto das ruas,
que nunca conheceram um lar,
que não sabem escrever o nome,
nem enxergam a tragédia,
canto-lhes esta canção
inconfidente frente o espelho:
Matar para não morrer,
roubar para sobreviver!...
As ruas com tapumes
cobertos de propaganda
do regime que desfila
a glória ilusória
escondem as palafitas
sobre o mangue onde os meninos
encontram os algozes.
Correm sobre o asfalto
com uma jóia na mão,
uma carteira,
uma bolsa,
uma fruta,
com os pés lépidos deixando
rastos aos que procuram
por suas vidas de desatinos...
Milhares de meninos,
milhões de pés,
correndo na frente da polícia
para o encontro com a morte
coberta com cartazes
de caveiras
e tíbias
cruzadas sobre o peito,
marcando os corpos nus
aniquilados pela desgraça.
—— É o esquadrão!
—— É o esquadrão!
—— É o esquadrão!
Os meninos da Pátria,
que foram deserdados em vida,
enfrentam os assassinos,
milhares de cadáveres
com a chancela do crime
espalham sobre os sonhos
desfeitos sem piedade
o Milagre do regime.
Os meninos que sobrevivem
ao nosso tempo de hoje
aprendem a lição
com os que foram vencidos
e oferecem suas almas
aos mortos do amanhã:
—— Oh!... Tempo dos desgraçados!...
—— Oh!... Aflição dos esvaídos!...
—— Oh!... Oferta dos vencedores!...
É o Esquadrão da Morte!...
Rio de Janeiro, 4.11.71