O enforcamento de Frei Tito

Maciel de Aguiar

O ENFORCAMENTO DE FREI TITO

 

 

O Frei Tito enforcou-se

na terra da Liberdade
com uma corda no pescoço, 

um cinto,
uma meia,
um cordão,
um lençol,
um fio,
não se sabe ao certo.
O Frei Tito enforcou-se 

com uma angústia no peito, 

a provação nos olhos,

a sina impiedosa,
a história mal contada, 

a dor da acusação,
e nunca se terá notícia 

do verdadeiro sentido
de sua hora letal.
O Frei Tito enforcou-se 

na terra da Igualdade,
com a condenação ao peito, 

sem direito de defesa,
os amigos na clausura
apontando na direção
de seus olhos de pavor 

como a dizer do crime

de delação 

e desonra.

O Frei Tito enforcou-se
com a verdade abafada 

sem que ninguém ouvisse
a versão de sua boca,
sem que permitisse olhar-se 

ao menos frente o espelho
com os olhos negros tristes

vendo o passar dos dias

como um fantasma de si mesmo.

O Frei Tito enforcou-se 

na terra da Fraternidade 

estendendo as mãos
em pedidos de indulgência
que nunca foram atendidos, 

nunca foram publicados, 

nunca foram escritos, 

nunca foram lidos, 

e só os séculos saberão. 

O Frei Tito enforcou-se 

como ainda é de costume 

a todos os que a angústia 

apodera-se da alma, 

e com a voz dolorosa 

falando aos ouvidos 

que só existe um caminho 

para estancar o sofrimento 

em um corpo de tristeza. 

O Frei Tito enforcou-se 

no mês dos enforcados… 

Muitos nem conseguem 

esperar o vaticínio: 

matam-se ainda em julho 

com a pressa incontida 

de livrar-se de suas dores 

o mais rápido possível, 

fugindo da ignomínia. 

O Frei Tito enforcou-se 

na terra da Marselhesa

ouvindo as vozes dos séculos 

cantando a canção da vida, 

frente o exército inimigo 

onde não existe lugar
para esconderem-se os fracos,
os que perderam a direção
de procurar a Liberdade. 

O Frei Tito enforcou-se
com a consciência de quem 

não se perdoa pelo crime,

mesmo que seja o da consciência 

ou de quem não mais deseja 

ser levado pelas mãos 

dos torturadores a apontar 

ao destino de tantos 

torturados pelo mundo 

e continuar existindo. 

O Frei Tito enforcou-se
com uma angústia incontida, 

sob a acusação
e o sofrimento
da delação
e da desonra,
com um pavor frente o espelho,
feito um pedido de perdão,

uma tristeza dolorosa,
um vaticínio perpetrado,
com a comoção
e a desventura
dos que precipitam a vida. 

O Frei Tito enforcou-se 

na terra da Liberdade 

e muitos ainda haverão 

de exigir explicação. 

 

 

                    Rio de Janeiro, 21.12.74

 

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