NEGAVAS O PRANTO
À companheira Aurora Maria do Nascimento
Furtado, assassinada em 10 de novembro de
1972
Naqueles dias cada abraço
era o derradeiro.
A mão da morte atenta.
A noite emboscada nos caminhos obrigatórios.
Negavas o pranto aos olhos.
E era justo subordinar o pranto
a um tempo mais livre.
As manhãs se sucediam
como escravos em marcha.
Contudo, resistias.
Nas tardes de chuva,
os cabelos sobre os ombros,
o casaco xadrez e triste,
os sapatos palmilhando
uma rua vigiada, colhias
as pobres rações de esperança
na cinza daqueles dias.
Guardavas o diário dos mortos
como eu guardo, depois de tanto,
a pressão de teus dedos,
teus olhos em véspera de lágrima...
a surda esperança
num tempo sem cadeias.
(75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Negavas o pranto" integra a seção “Poemas da companheira”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Negavas o pranto” na página 81, informa que esse poema foi escrito em 1975.