MÃE
Para Dona Odete,
na província distante.
Quando um rio de leite escorre
dos seios das mulheres
que perderam os filhos
nas guerras sem fim,
loucas se descabelam,
luas brancas escondem seu mistério
acima dos alcantis
enquanto a chuva ácida
cobre a cabeça dos mortos…
Quando as mães atônitas se agarram
aos crucifixos de madrepérola,
rezando compridas ladainhas
com vestidos de breu,
calejando as pontas dos dedos
nas contas da fé impossível,
loucas se desesperam
abraçadas à fotografia
dos meninos vencidos:
– Meu filho,
meu filho,
meu filho…
Em todas as dores são parecidas,
os sofrimentos iguais
e todos os mortos são chamados
pelo mesmo nome:
– Filho!
– Filho!
– Filho!
Mães negras,
mães brancas,
mães solteiras,
mães viúvas,
mães pobres,
mães ricas,
mães miseráveis,
mães prostitutas,
mães esvaídas,
mães com espadas de lírios
para enfrentar os demônios
que peregrinam pelos corredores,
imploram na porta dos quartéis,
lançando-se contra a força
blindada do regime
em busca de notícia
dos desaparecidos:
– Meu filho,
meu filho,
meu filho!
Em todas, um rio de lágrimas
escorre dos olhos úmidos,
encharcando os lençóis estendidos
como um varal sobre os corpos
dos que são chamados pelo mesmo nome:
– Filho!
– Filho!
– Filho!
Guerreiras com o sentimento materno
enfrentam o tempo de hoje,
enquanto a Lista dos Mortos
conquista novos féretros
e as mulheres alucinadas gritam
frente os olhos dos soldados:
– Cães assassinos,
cães atrozes,
cães tiranos!
Mendigos fogem assustados,
pássaros desaparecem das árvores,
fecham-se todas as janelas,
as ruas ficam desertas,
a morte acidental passeia
incólume sobre a calçada
que no outro dia contará
com a cumplicidade dos jornais:
– Mulher morre atropelada…
– Mulher joga-se do edifício…
– Mulher cai do viaduto…
Enquanto isso, os morcegos que habitam
os balaústres dos palácios
saem em vôo desgovernado
na busca das vítimas…
Mães que gritam,
mães que imploram,
mães que choram,
mães que rastejam,
mães que rezam,
mães que resistem,
mães que se descabelam,
mães que se resignam,
mães que se humilham,
mães que se abraçam,
mães que procuram
o fruto do ventre
diante da impossibilidade,
enfrentando o destino,
enfrentando este tempo,
enfrentando sua sina
e sem temer a morte
que espreita sua dor:
– Miseráveis, miseráveis,
dêem-me meu menino de volta,
dêem-me meu menino de volta,
dêem-me meu menino de volta!
As mães da Pátria
com uma fotografia nas mãos
perguntam pelos filhos
que nem ao menos viveram
a infância perdida…
Em todas as dores são iguais,
as lembranças parecidas,
a saudade aperta o peito,
a angústia o coração,
e a mesma agonia,
a mesma aflição,
a mesma dor,
quando chamam pelo mesmo nome:
– Filho!
– Filho!
– Filho!
Quando um rio de leite escorre
dos seios úmidos das mulheres,
outras choram lágrimas,
lágrimas,
lágrimas,
lágrimas
de sangue
e resignação,
coitadas…
Rio de Janeiro, 28.10.71