LXII
Exilado na extensão total dos meus exílios
tão numerosos como as coisas
e os fatos
perdidos para sempre
em minha memória e em meu passado
em meu presente e em meu futuro
porque foram coisas
que não são mais coisas
no irreal real
de tudo o que eu não sou
não sendo mais
que uma lembrança
ou o desejo de ser
porque foram fatos
que se desfizeram em fatos
que não aconteceram e que por isso
se transformaram
na ponte que se partiu
ou simplesmente porque
morreram naquelas tardes
em que deixaram de ser
ligações de vida às vidas
em que foram acontecer
(e não há morte mais viva
que a dos atos de esquecer)
Comentário do pesquisador
Esse trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Conclusão", do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema, que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.