LOUVAÇÃO
À memória de Castro Alves,
poeta que primeiro me ensinou
o significado da Liberdade.
Nós,
poetas do Brasil de hoje,
te louvamos nesta tua ausência centenária
e estendemos nossas mãos trêmulas
para tua poesia libertária,
buscando na essência de tua vida
a chama de nossa Liberdade.
Oh!…
Poeta dos escravos
e dos oprimidos,
lança teu grito heróico
do longe do tempo
sobre esta tragédia de hoje:
a Pátria aviltada pela tirania.
Lança teu grito abolicionista
sobre a discriminação social
e o preconceito.
Lança teu grito imortal
sobre os grilhões das salas de tortura.
Lança teu grito secular
sobre o cerceamento do direito à vida.
Liberta as crianças famintas
da condenação à morte.
Liberta as mulheres viúvas
dos lamentos cotidianos.
Liberta os que são condenados aos mares,
jogados pelos aviões-negreiros.
Oh!…
Poeta do povo
e da inspiração sublime,
vem com teus livros em punho
afugentar os carrascos.
Vem caminhar de mãos dadas
com os trabalhadores-operários-famintos,
em busca de terra para quem precisa.
Vem pelas asas de tua poesia
alimentar a esperança em nosso peito.
As nossas senzalas de hoje
são as favelas
penduradas nos morros
e as palafitas sobre os mangues,
cinturões de miséria
que apertam as cidades.
Os nossos pelourinhos de hoje
estão nas fábricas,
nos tribunais,
nos quartéis,
nos bancos,
onde pagamos pelo crime
que não cometemos
e morremos a cada dia
com cada morte anunciada.
Os nossos escravos de hoje
são brancos-negros-índios,
os que perderam a dignidade,
os que foram tragados pela servidão.
Os capitães-do-mato de hoje
andam de helicóptero,
andam de camburão
da Polícia Federal
para espalhar o terror oficial.
Ainda carregamos as gargalheiras no pescoço,
somos torturados,
espancados em praça pública,
banidos da Pátria,
oprimidos em nossa terra,
levados ao suicídio
e ainda vendidos como animais.
Nos palácios do planalto sobre os ombros,
as nossas casas-grandes de hoje,
moram os mesmos senhores,
que governam as dores,
que negociam a felicidade,
que assinam a sentença,
e nos roubam a esperança.
Ainda trocamos a nossa mão-de-obra
por um prato de comida,
um pedaço de teto,
um vidro de remédio
para curar as mazelas,
cicatrizar as feridas,
amenizar a dor.
Ainda somos julgados por uma Justiça prostituída,
que continua favorecendo aos poderosos,
orientados por uma legislação
que estabelece as normas da escravidão
que não foi abolida,
que continua viva,
nos açoitando pelos séculos
de dominação
e injustiça.
Colombo fechou as portas dos mares,
mas foram abertas as covas rasas,
construíram as salas de tortura,
os subterrâneos dos cárceres,
oficializaram a segregação,
criaram os bolsões de miséria,
implantaram os regimes tiranos
e a exploração do homem.
Oh!…
Poeta cantor da vida,
estende sobre nós,
sobreviventes da dor,
o manto de tua poesia,
a claridade de teu luzeiro,
para guiar nossos passos
pelas trevas deste tempo.
Estende sobre nós,
poetas do Brasil de hoje,
a força de tua inquietação
que alimentou os condenados
e manteve acesa a chama da espera.
Oh!…
Poeta cantor do direito à vida,
traze do longe da história
o gênio de tua juventude,
a coragem de teus anos
estrangulados pela fatalidade,
para amenizar o sofrimento
de todos os esvaídos.
Ainda somos escravos
em busca da libertação,
humilhados em nossa Pátria,
condenados sem defesa,
intimidados pelo arbítrio,
levados ao desespero,
torturados pelo suplício,
aniquilados perante a busca.
Nós,
poetas do Brasil de hoje,
que cantamos diante da dor
que passeia sua força blindada,
triturando o crânio dos meninos
e espalhando o terror oficial,
louvamos-te pela tua vida centenária,
que mantém acesa em nossas almas
a chama da Liberdade.
Oh!…
Poeta do amor eterno,
a nossa América é a nossa África,
a nossa América é a nossa África,
a nossa América é a nossa África…
São Mateus-ES, 6.7.71
(Nos 100 anos da morte de Castro Alves)