II
Exilado na certeza de que o capitalismo agoniza
nos lençóis de petróleo em que apodrecem
cinco mil anos da história deste homem
que já foi etrusco, sumeriano, egípcio, judeu
grego e romano
e que agora lentamente morre
em toda a sua dimensão de séculos
e ainda sem os cantos elegíacos
que os poetas, no século XXI, entoarão
sobre os tempos em que foi também
inglês, norte-americano, russo ou chinês.
Exilado, portanto, na certeza ainda maior
de que inexiste uma sociedade justa
em qualquer parte do mundo.
Exilado na definição maior dos homens como ponte
para que uma sociedade assim exista um dia
redimidor de todas essas mortes nossas
com apenas sete palmos
porque cavadas neste chão de exílios.
Comentário do pesquisador
Este trecho pertence ao longuíssimo poema de 88 páginas, publicado em 1977, intitulado "Canção do exílio aqui ou Alguns elementos para o inventário de uma geração nesta cidade do Rio de Janeiro". Todo o texto se ergue a partir de uma construção paralelística em que todos os versos se iniciam com as mesmas palavras "Exilado no/a", que indicam a condição de estranhamento e deslocamento do poeta frente ao seu tempo. Como apontado por Alceu Amoroso Lima (1977), no prefácio do próprio livro que abriga o poema, não se trata de um exílio espacial, mas de um exílio no próprio tempo e nas instituições sociais dominantes. O trecho destacado acima se encontra na seção "Desenvolvimento" do livro-poema. Cabe lembrar que a obra inteira tematiza a vida, o cotidiano e a história durante o período da ditadura militar, fazendo referência direta a inúmeros acontecimentos e figuras da época. Por conta da extensão do poema que inviabilizaria a sua publicação na íntegra, foram selecionados apenas alguns trechos para compor o Memorial Poético dos Anos de Chumbo.