GARE DE SÃO PAULO
(A Eduardo Leite)
Uma madrugada escura
é o primeiro cenário de meu corpo
e dos meus olhos recém-despertos
da solidão e da estação
rodoviária de São Paulo.
Garoa na gare noturna.
Os barulhos dispersos dos caminhões
que carregam e descarregam
me dão pequenos sobressaltos
e a névoa friorenta
se despedaça em mil pétalas gélidas
arrefece,
no incandescente rubro
dos contornos vagos e iniciais de uma aurora.
Consciência súbita da claridade matinal e próxima
faz com que eu desperte de minhas lembranças
num bar, perto da estação rodoviária de São Paulo.
A palidez da madrugada
ainda brinca um pouco de contraste
com o arcabouço imenso e esquelético
da cidade ainda sonoļenta e estática.
Luzes já não são mais luzes
barulhos já não são mais esparsos
a manhã absorve todos os ecos
todos os pontos luminosos
numa manifestação cromática
e assexuada.
A manhã veste São Paulo em meu cansaço
outrora adormecido
diluído entre lembranças e inquietudes
num bar, perto da estação rodoviária.
Eu te encontro e andamos pelas ruas da Lapa,
tomamos café pelas ruas da Lapa,
o entardecer surpreende nossa discussão política
pelo centro de São Paulo
o anoitecer nos surpreende em um carro frio
que fura os ventres desertos das ruas de São Paulo.
Já de noite,
nada nos impede de varar o anonimato dos subúrbios paulistas
numa disparada suave
que harmoniza completamente com os semblantes tensos.
Sem precisar uma palavra,
a gente descobre a fraternidade assim
de repente, num carro frio que penetra
nos interiores anônimos
dos subúrbios de São Paulo.