Era o Melhor
Morreu meu companheiro. Era o melhor.
Amava os passarinhos. (Eu me lembro
dele imitando os cânticos alados.)
Amava mais as crianças, uma festa
quando chegava: ele inventava histórias
de gente verdadeira e depois ria,
cristal canção, um pássaro no exílio.
Gostava de comer como quem canta,
sabia de temperos: o salmão-
de-rocha, que ele assava no cilantro,
lhe dava toda a explicação do mar.
Olhava tenso, meigo, deslumbrado,
a cintura morena que ele amava
mas que nunca abraçou, não era dele,
nem dele pretendia, mas amava.
Varava madrugadas aprendendo
coisas de vida e morte lá do chão,
o nosso chão amado lá da infância,
onde foi devorado. Mas sabia
que a verdade não mora nos compêndios.
Trabalhava na construção de barcos
e de esperanças feitas de granito
e de orvalho também. Principalmente
confiava no poder dos oprimidos.
Quando dizia “a classe”, esta palavra
não era mais palavra, era canção,
a própria história da injustiça humana
que, em sua boca, a vida resumia.
Sabia que pequena era a sua parte
a fazer, na reconstrução da aurora,
mas inteiro se dava. “Um dia eu volto,
e não quero errar mais”, ele dizia.
Uma vez me chamou para ajudar
a fazer uma casa: a pedra e o barro,
o triângulo e o martelo, em suas mãos,
nada mais eram do que ferramentas
de que ele se valia para ser
um companheiro do homem. Era um bom.
Fazia as coisas rindo, mas um dia
amanheceu chorando, como um homem.
Não quero relembrar instantes ásperos
que atravessamos juntos, mas em todos
dele força eu ganhei para melhor
fazer o que eu devia.
Ele levou
no seu peito um segredo que no instante
da despedida lhe entreguei. Vai ser,
vai ser muito difícil de encontrar
outra fronte capaz de compartir
uma verdade (e um preço) que será
um dia flor da vida verdadeira
que o companheiro morto carregou
silencioso e só, dor e bandeira.