Cidade de pedra

Maciel de Aguiar

       CIDADE DE PEDRA

 


A cidade de concreto 

debruça sua fúria
sobre a vida das pessoas,
enquanto os corações venturosos 

batem em pulsações
jorrando pelo asfalto 

rios rubros arteriais
que escorrem pela rigidez 

da face fria do mármore. 

Os ombros de chumbo 

sustentam o peso das dores,

 edifícios enfiam as pontas 

nas nuvens cinza que passam, 

cada um com a imponência 

vertical de chegar
ao ponto mais alto
para olhar as massas aos pés, 

cada um com a ânsia
de exploração das pessoas, 

cada um com o anúncio 

da felicidade concreta. 

A cidade de cimento 

rasga o seio da terra 

deixando o sangue seco 

dos operários que enterram 

o sonho acalentado, 

frente os que sustentam 

o progresso passeando 

o regime sobre os corpos. 

Das entranhas saem gemidos 

de angústia e aflição,
mas os bate-estacas trabalham 

com as porradas surdas 

abafando os condenados. 

As noites debruçam véus 

feito manchetes dos jornais 

sobre todos os esvaídos, 

alimentando as horas 

do Milagre Brasileiro

Deuses de pedra, 

anjos de cimento, 

sepulturas de mármore, 

corações de ferro,
é a cidade com sua roupagem de gládio 

invadindo a paisagem,
como um monstro devastador
que passa por sobre os vencidos. 

Arquitetos riscam formas 

geométricas com os dedos, 

enquanto escondo-me
na noite sob sete cobertores
e penso nas prostitutas do Porto, 

nas da Pinto de Azevedo,
nas da Praça Mauá,
sob os escombros da nova Ordem
Um cão vadio procura
fugir por uma porta, 

uma mulher chora 

debruçada no balaústre,
poetas deixam cair as pálpebras
sobre os olhos úmidos das trevas,
enquanto um velho octogenário, 

sentado no limiar da vida,
escarra sobre os pés:
— É o azougue… 
— É o azougue…
— É o azougue…
Mendigos procuram vaga-lumes 

que faíscam nas noites,
e um menino morto
sob uma folha de jornal 

sonha com um lar,
uma casa,
um teto…
A cidade cresce com os pobres
povoando os becos sujos,
enquanto as máquinas não param, 

rasgando o seio
da terra com a fúria do progresso 

e devorando as lembranças 

dos velhos álbuns de fotografias. 

Ninguém se lembra da rua, 

do vizinho defronte,
do corpo sem sobressalto 

à sombra das árvores
que desaparecem das memórias. 

Enquanto isso, os levados ao esquecimento
enrolam os sonhos
na sarjeta do tempo, 

ao relento da vida… 

É a cidade de pedra 

que constrói sepulturas 

de concreto
e ferro
para atender à demanda 

imobiliária do regime.

 
                      Rio de Janeiro, 6.6.72

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Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

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