[...]
O tempo é de cuidados, companheiro.
É tempo sobretudo de vigília.
O inimigo está solto e se disfarça,
mas como usa botinas, fica fácil
distinguir-lhe o tacão grosso e lustroso,
que pisa as forças claras da verdade,
e esmaga os verdes que dão vida ao chão.
O tempo é de mentira. Não convém
deixar livre o menino da esmeralda.
Melhor é protegê-lo da violência
que amarra a liberdade em pleno vôo.
A sombra já desceu, e muitas fauces
famintas se escancaram farejando.
Cuidado, companheiro, esconde a rosa,
espanta a mariposa colorida,
é perigosa essa canção de amor.
Cada um no seu lugar, na sua vez,
não descuidar na espreita do inimigo,
que não dorme jamais e é cheio de olhos.
E derramar a luz, no instante certo,
sobre a garra soturna do seu rosto.
É uma espera que dói, mas o que vale
é ter o coração por cidadela,
acender uma tocha em cada metro
de terra conquistado e trabalhar
melhor, para que o chão floresça mais
e o trigo erga bem alto o seu pendão
para a festa de amor, larga e geral,
onde a fome afinal não vai dançar,
porque não comerão somente eleitos,
porque são todos os que comerão.
É por isso que estamos todos juntos:
a nossa força tem o sortilégio
da seiva torrencial da primavera,
e o nosso amor palpita como os ímpetos
das águas amazônicas profundas.
É cantar, companheiro, e repartir
o que é preciso ser do amor geral.
Ninguém será sozinho nunca mais,
nem só na solidão, nem no poder.
[...]