CANTO DA DOR DOS OPRIMIDOS
À memória do poeta José Martí,
cantor da vida
e da liberdade de seu povo.
Vamos cantar a dor
dos que não mais possuem força,
dos que foram tragados nas prisões,
os que não mais ouvem seus nomes,
os que deixaram um grito na garganta.
Vamos cantar a dor
dos que buscam um pedaço de terra
onde possam semear o que há de vir,
os que calejam os pés,
na busca angustiada da vida.
Vamos cantar a dor
dos que vivem pelas beiradas do mundo.
famintos…
sem-pátria,
sem-nome,
sem-trabalho…,
viajantes dos pesadelos,
ratos dos esgotos fétidos.
Vamos cantar a dor
dos que desaparecem sem direito à cruz,
os que não possuem atestado de óbito,
os que são aniquilados entre paredes,
os jogados nos porões sob mordaça.
Vamos cantar a dor
dos que não sabem onde encontrar os filhos,
os que procuram vestígios dos netos
traspassados por tantas dores
e entre notícias desencontradas,
os que são movidos pelo infortúnio.
Vamos cantar a dor
dos que estão à beira do abismo,
os que enfrentam os verdugos
com os olhos nas estrelas,
os que trazem o coração nas mãos.
Vamos cantar a dor
dos aleijados com suas pernas bambas,
os mutilados com seus dedos trêmulos,
os esvaídos com seu sangue,
os que perderam a esperança
para o resto da existência.
Vamos cantar a dor
dos que procuram suas causas,
os que se perderam dos rumos,
os que despertaram dos sonhos,
os possuídos pelo torpor.
Vamos cantar a dor
dos que definharam a face,
os que apodrecem sem direito à cura,
os cambaleantes pelas ruas,
os que conversam com o próprio fantasma.
Vamos cantar a dor
dos que não têm direito à felicidade,
os que confessam os desatinos,
os que atentam contra a própria vida,
os que morrem antes de viver.
Vamos cantar a dor
dos que escrevem para ninguém,
os que mandam cartas pelos ventos,
os que não esperam resposta,
os que cantam suas mágoas.
Vamos cantar a dor
dos humilhados frente a seu tempo,
os esquecidos perante a sua história,
os arruinados diante de sua pátria,
os assassinados impiedosamente.
Vamos cantar a dor
dos que trazem o corpo trêmulo,
os que constroem seu catafalco,
os que cavam a própria sepultura,
os aterrorizados diante de seus demônios.
Vamos cantar a dor
dos que se alimentam com os cães,
os que sobrevivem feito ratos,
os que lambem as latas de lixo,
os que trazem a inanição
na alma como uma sina…
Vamos cantar a dor
dos que carregam uma cruz,
os que buscam a paz,
os que clamam por justiça,
os que calejam as mãos
no ofício da Liberdade.
Oh!… Poetas do mundo,
até mesmo os que vivem à sombra,
os que escrevem às debutantes,
os que são preferidos pelas misses,
os que são publicados nas colunas sociais,
pegai vossas liras:
— Vamos cantar a dor dos oprimidos!
São Mateus-ES, 4.5.68