AOS QUE PODEM
Eles podem nos calar a boca
com confete e serpentina
mas não tiram o carnaval
que temos no coração.
Eles sabem amarrar os pés
com cordas, grilhões e correntes
mas tem uma coisa que eles não podem:
é andar nas claras estradas
que temos no pensamento
e onde, livres,
cantamos adiante deles.
Eles trazem nas mãos a lei
do tapa no rosto e da cacetada
a lei do "confessa na marra"
a lei do estrangulamento,
mas eles não sabem
erguer mãos de ciranda
diante do cassetete elétrico.
Eles podem. Eles podem tudo
o que no ódio é permitido:
podem prender tua irmã
podem enlouquecer teu pai
podem, diante do sol,
obrigar a creres que é noite
e não manhã, a luz que te ilumina.
Há coisas mais que eles podem
porque o ódio é infinito
(um pouco menos que o amor)
Eles não tem nome, chamam-se "muitos"
como os demônios diante de Cristo,
mas sabem teu nome e o de poucos.
Sabem onde moras, sabem onde vais,
com quem andas, o que pensas, com quem amas;
sabem o que bebes, com quem bebes, quando bebes.
Eles detem todos os advérbios.
Eles podem, quando quiserem, nos encontrar,
(mas não sabem como encontrar a si mesmos)
podem nos prender
mas não sabem se libertar,
podem chutar o saco
dar choques no sexo,
tudo eles podem, porque tudo pode
o ódio que pode.
(Que farão eles com os cabelos
arrancados da cabeça de tua mãe ou da tua?
Como volta para casa quem bateu,
chutou, deu choques, feriu, esbofeteou?
Como dorme? Será que dorme?)
Tudo eles podem, porque tudo pode
o ódio que pode.
Mas tem uma coisa definitiva
que definitivamente
nem todos eles juntos podem:
é compreender,
como sobrevivem os olhos
depois de vazados?
é compreender, como sobrevive a palavra
depois de esbofeteada?
é compreender
como é que a vida continua
depois de morta?