A ÚLTIMA NOITE
Sexta-feira. Noite.
Noite mais longa
que os sete anos de André.
os nove anos de Ivo,
noite mais longa
que o beijo de Clarice.
Na carne da sombra
outras sombras se desenham
buscando formas humanas
(é necessário um disfarce mínimo)
contra o claro corte da luz.
Ninguém viu como chegaram.
Em torno, a treva abriga
o passo de seus filhos.
As mãos sedentas de gritos,
de prisões, de chagas,
arrastam teu cогро
ao território da treva.
Mas não estás sozinho,
nunca mais estarás sozinho.
Teus irmãos te resgatam
e adiam para amanhã
o riso dos chacais.
De tuas mãos ainda brotará
o último noticiário da noite.
Preso entre os dedos
o endereço da morte.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "A última noite" integra a seção “Poemas do enforcado”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na página de abertura da seção, consta a seguinte dedicatória: “A Vladmir Herzog, torturado até a morte”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009 reproduz “A última noite” na página 107.