Vida de Artista
(Balanço destes últimos oito anos)
Mudam as estações
e a conjuntura
as modas no vestir
o medo de se desnudar.
Eu vou ficando por aqui.
Acompanhei durante esses oito anos
a morte dos melhores amigos que restaram
a crise do dólar
a posse de três generais.
Presidi em mais de vinte celas diferentes
os mesmos rituais de sobrevivência.
Disputei aos tapas com os ratos
os restos de minha boia
numa linda fortaleza
e nela enfrentei minha fraqueza.
Esqueci todos os meus truísmos
mas não aderi ainda aos solipsismos
vi um eclipse meio farjuto
há seis anos fiquei que nem uma besta
pendurado na janela de um regimento de tanques
esperando a passagem de um cometa
e quase levei um tiro.
O sentinela de dia
não tinha gosto por astronomia.
Era Natal.
Menos mal porém foi a queda de Hanói
a entrada do Khmer em Ponh Penh.
Depois da euforia tudo ficou confuso.
Pol Pot matou um monte de gente
o Vietnam invadiu o Camboja
A China invadiu o Vietnam
sem falar em outros países
que há tempos
invadiram a si mesmos.
Lenin lá permanece
empalhado como se fosse um reles recheio de empada
num sarcófago de cristal.
Walter foi assassinado numa manhã de julho
José Raimundo numa tarde de agosto
Élcio em qualquer hora de janeiro
Lamarca no céu azul de setembro
escrevendo prá Yara.
Sim, eu tenho muita saudade.