VIAGENS 3
O caminho ao acaso que forma a marcha cega de nossos passos
Pierre Reverdy
novamente aqui
neste ar seco de Brasília
sol mais lento
sob o qual me sinto desdobrar
e enxergo com clareza
já estive antes nesta cidade
a caminho do Xingu e do Pantanal
e já havia qualquer coisa de Xingu e de Pantanal por aqui
espaço aberto
antecipação de espaços mais abertos
aventura
salto para aventuras maiores
volta ancestral
ao mesmo chão magnético
DIAS CIRCULARES
ar do planalto
convite ao voo
à prática da magia
sinto-me no Brasil
sei que estou na minha terra
não o país amordaçado e sangrado
dos vômitos alaranjados
e bandolins cegos da repressão
não o país das fantasias de poder
(ampola de bismuto escrachada sobre a face do planeta
e gosma paranoica escorrendo de todos os jornais)
não o país torturado esmagado e prostituído
suas noites encarceradas em cofres-fortes
e posto à venda a preços de ocasião
não este país fantasmagórico
que se quer presente o tempo todo
e tenta invadir até mesmo nosso sono
porém outro país
redescoberto agora mais uma vez
neste encontro dos nossos olhares
outro país
que ainda lateja
sob o tapete trêmulo do Terceiro Mundo
agora
podemos falar
revelar nossas identidades
e contar tudo que aconteceu
falar de nossas memórias e aventuras
de 1968 para cá
desta nossa condição
de sobreviventes e de cúmplices
algo explode a Leste do Tempo
estamos invadindo o coração da História
estamos vestindo as horas de outra cor
enquanto nos abraçamos e nos beijamos
no centro desta cratera
de um vulcão extinto faz 40 milhões de anos
Setor Comercial Sul madrugada deserta porre azulado
prédios flutuam sobre o cerrado elétrico outra paisagem que vibra
sóis latejam sob o cimento esta cidade é uma loucura tesão
sei que nos reencontraremos
voltaremos a nos ver
neste pedaço de hemisfério
neste chão
feito para nos possuirmos
neste país
dos nossos corpos