VI
Mar,
que estás presente
a todos os sentidos,
e que dás nome à terra
dos preenchidos azuis
em que também o homem é vivo,
que sejam nossas
tuas câmaras líquidas,
vazias de castigo;
que tua vontade,
no mármore das correntes
penetre a liberdade
dos que só correm
o itinerário pessoal
de riachos riscos.
O sal em que perduras
tuas fertilidades
dá-nos sempre:
perdoa-nos esta terra intransigente
e tantas vêzes sêca,
sem as marés de teu sorriso
como te perdoamos
o humor vário
e o chão inconseqüente.
Deixa-nos mergulhar
nas tentadoras distâncias
de tua onda que se entrega
e neste ato se desmancha
e livra-nos,
pelo espaço aberto
em que te manténs constante,
destas fronteiras rasas,
ao calar nossos fogos,
e ceder aos desertos.
Mar,
dá-nos anêmonas
côr de maravilha
para eludir as feridas
dos pobres que rodeiam nosso sangue,
e estrêlas-do-mar,
de horizontes sedutores,
para encobrir à noite
o rosto dessa miséria que se escoa
a interrogar as auroras
na margem de um silêncio
em que o verbo se debruça,
menor do que o momento,
e cavalos-marinhos,
em seus galopes transparentes,
para iluminar êsse contexto escuro
com a perspicácia avêssa
dos filmes coloridos.
Dá-nos teus cardumes maciços,
teus gestos de infinitos braços
para nossa fome
de infinitas bôcas,
e teus discursos
saciados de polvos,
para nossas falas
com suas algas gastas.
Partilha a vibração
de tuas frases submarinas
para que nossas orações
não se pontuem apenas
na concha das palavras.
Mar,
repete-nos que o próximo,
assim por nós nomeado
é uma presença à tona,
e por ondas e lados.
Mar nosso,
que estás no mar.
Comentário do pesquisador
Sexto poema da parte "De mar".