Veneno em Ouro Preto
Imóvel tempo imóvel
seria se pudesse ser
e não é, mesmo reconhecendo
esse abrumado rosto que espia
dos corredores mágicos
que se desdobram
desde as portas da infância.
Ogre, teu veneno (terá
destruído minha cidade?)
alastrou teu rastro
na folhagem onde passo
e me disfarço.
Claro mistério, terra,
bicho telúrico,
que já não sei
se lembrança ou permanência
do que foi e será sempre agora.
Agora: inauguração de manhãs
de riso solto nas sacadas
saudando o absurdo
da porta que jamais abrimos.
Ouro Preto/Minas Gerais, abril 1967
Comentário do pesquisador
O livro "Espelho provisório" possui como data 1947-1970 e conta com prefácio de Ferreira Gullar - o que, em certo sentido, também acarreta implicações políticas. Regra geral, os poemas trazem - ao final - local e data. Assim, "Veneno em Ouro Preto" é o primeiro poema após o Golpe de 1964. Contém como data 1967, sendo que o poema anterior é de 1962; há um silêncio relativamente incomum nesse período. Na lírica da autora, nem sempre direta em questões políticas e não raro perpassada por elementos da natureza, sutilezas como "esse abrumado rosto que espia" abre conotações ligadas aos Anos de Chumbo, aproximando o texto e campos semânticos como a vigilância, a perseguição.