Um Dia, Ossos
A Hélio Eichbauer
A manhã trouxe surpresa de ossos
guardados em gavetas ou organizados
atrás de opalescentes, dourados vidros,
no corredor propício ao mistério.
Então é o susto nos olhos
e o medo nas mãos inábeis
tocando toda essa precária
matéria antiga, encardida,
e tirando no toque o som
de uma música escondida
nessa antiqüíssima,
milenar memória.
Rio de Janeiro, janeiro 1969
Comentário do pesquisador
O título possui uma referência a "Ossos", o que, metonimicamente, denota elementos como a morte. E essa morte é associada a um dia, ao dia, ao tempo, à época, ao contexto. Ademais, a dedicatória do texto é "A Hélio Eichbauer", cenógrafo brasileiro que trabalhou em Cuba e que assinou, em 1967 e junto com o Teatro Oficina, a cenografia da importante montagem de "O Rei da Vela" realizada por José Celso Martinez Corrêa. Quanto ao corpo do texto, ele menciona o "corredor propício ao mistério" e enfatiza situações de tensão, medo, morte, ossos guardados em gavetas. A imagem dos ossos engavetados é potente, remete a certa organização fúnebre, não por acaso ligada ao Rio de Janeiro de 1969. Nesse ambiente, o mistério (o silêncio?, o apagamento?, a censura?) é vigoroso.