TRAMA
… E se o corpo é uma canoa
de madeira amarga
e terna,
a alma é um rio agudo
que me lavra na madeira
com dedos de água
e fuga
a marca dos meus roteiros.
Dedos sábios de rendeira
tecem em fios incontáveis
a trama do meu destino:
fina renda nordestina
improvisando cantigas
sobre a almofada da vida.
O que fui, o que serei,
se madeira,
se cambraia,
nas mãos do Povo se traça.
O poeta canta o tempo
e o tempo é de navegar,
serei canoa a varar
as cidadelas do vento,
ou em renda me enredo
e me afirmando
me nego
neste rio ou neste mar
sem saber me extravio
na trama de outro tear.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. Em conversa particular, Pedro Tierra informou que o poema “Trama” foi escrito em meados da década de 1980, no período de transição entre a ditadura e a democracia, em meio às intensas lutas políticas em torno da elaboração da nova Constituição.