TOMÁS CARVALHAL — 1030
I
Trabalhaste a palavra
para o mundo de teus filhos.
A terra trabalhará em teu corpo
um sol de manhãs e lágrimas.
Na pedra do túmulo,
gravarei o endereço da morte:
Tomás Carvalhal — 1030
esquina com Tutóia.
Sobrevivi. Levarei na pele, na alma
o nome dos meus mortos.
II
Não trago palavras,
o impotente sopro dos humanos.
Ergo minhas mãos caladas.
Tomaram a feição dos ferros.
Tenho machados nos pulsos
e o gesto de afago
se fez gesto de morte.
Não há palavra possível
entre o ferro e a carne
das feras. Minha linguagem
é o fogo, a fibra do estanho,
o sangue de metais fundidos
num rio infinito
de ódios acumulados.
Não trago palavras,
a boca está seca,
desaprendeu a forma do canto.
Mói a palavra, a pólvora,
a dor, o sangue dos “suicidas”.
Na concha das mãos
sacio a sede dos órfãos
com este mel de tempestades.
(outubro/75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Tomás Carvalhal - 1030" integra a seção “Poemas do enforcado”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na página de abertura da seção, consta a seguinte dedicatória: “A Vladmir Herzog, torturado até a morte”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Tomás Carvalhal - 1030” nas páginas 108-109, informa que esse poema foi escrito em outubro de 1975.