TODAS AS PALAVRAS
Todas as palavras deixadas
nas paredes dos cárceres,
nos corredores das prisões,
nos becos fétidos da Lapa,
nas salas sob a luz do refletor,
nas últimas páginas dos cadernos,
nos livros dos poetas mortos,
no estêncil do mimeógrafo,
na palma lavada das mãos,
na dor entre as sílabas,
no pavor entre as linhas,
na angústia entre os corpos
dos que as escreveram
e dos que as soletraram,
e trazem a marca da dor...
São palavras proscritas
que fazem temer os tiranos;
são palavras feito armas
que dilaceram o regime;
são palavras feito gritos
que estremecem as trevas;
são palavras feito lâmina
que fazem intimidar os assassinos;
são palavras feito chumbo
que fazem derreter os cadáveres;
são palavras feito tiro
que fazem estancar os infames;
são palavras feito espelho
que fazem afugentar os demônios…
Todas as palavras escritas
diante da impossibilidade,
contra as Ordens do Dia,
sobre a lápide do morto,
no peito dos infantes,
dentro dos corações,
acima das incompreensões,
de longe pelos exilados,
debaixo dos travesseiros,
sem se importar com os teoristas,
como resposta aos céus,
escondidas nos sótãos,
deixam mensagens aos séculos
sobre estes tempos estranhos
e trazem a marca da aflição…
São palavras de afeto
aos que se escondem;
são palavras feito música
a acalentar os vencidos;
são palavras feito bálsamo
a acalmar os procurados;
são palavras feito luz
a fazer andar os perdidos;
são palavras feito sonho
a untar os desgraçados;
são palavras feito dádiva
a cobrir os aflitos;
são palavras feito fogo
que incendeia os poetas…
Todas as palavras mandadas
pelas asas dos ventos,
pelas cartas sem remetente,
pelos versos dos mimeógrafos,
pelos mensageiros da esperança,
pelos que gritam nas celas,
trazem a dor dos açoites,
trazem a infâmia das horas,
trazem a queda dos corpos,
a angústia no peito,
a procura da vida
que se esvai pelo tempo
como quem foge pelo esgoto…
São palavras contra os padrões
que fazem tolher os impulsos;
são palavras contra o sistema
que fazem adormecer os febris;
são palavras contra o regime
que fazem calar os fracos;
são palavras contra os vencedores
que fazem impor as Ordens;
são palavras contra os impérios
que fazem empobrecer os povos;
são palavras contra as injustiças
que fazem intimidar os descontentes;
são palavras contra os ditadores
que impõem as vontades...
São palavras proibidas,
guardadas no fundo do peito:
— Por favor, não as esqueçam,
não as deixem esvair...
Não as deixem apagar...
Não as deixem morrer...
Todas as palavras dos mortos
renascem na boca dos vivos...
Rio de Janeiro, 3.9.71