TEORIA DOS COROAS
Para o Estado tem dado Commissarios, Ministros,
Senadores, Presidentes, consules, Generaes por
mar e terra, Deputados Geraes e Provinciaes,
Titulares, Barões, immensos Doctores, mil ou-
tros agraciados pelo Monarcha, com comendas, e
habitos e um sem numero de Empregados no Esta-
do, em Minas Geraes, e outras partes do Solo
Brasileiro.
História do Caraça, Desde 1820 a 1865
(Anônimo, Revista do Arquivo Público Mineiro, v. 6, 1901)
A realidade é a dos coroas
a real idade é a dos coroas
a hilaridade é a dos coroas
(sua filosofia é o civismo
sua filosofia é o cinismo
sua filosofia é o si mesmo)
o credo é o dinheiro
o cristo é o dinheiro
o critério é o dinheiro
(sua verdade é a cia.
sua verdade é a cifra
sua verdade é o cifrão)
o estadista é o agiota
a estatística é o agiota
a estátua eqüestre é o agiota
(sua paisagem é o branco
sua paisagem é o banco
sua paisagem é o balanço)
o homem puro é o paladino
o homem público é o paladino
o homem pútrido é o paladino
(sua política é a do benedito
sua política é a do benefício
sua política é a do bem-nascido)
o ferrete é a liberdade
a ferrugem é a liberdade
a ferradura é a liberdade
(sua retórica é o rui
sua retórica é o ruído
sua retórica é a ruína)
o burocrata é o censor
o burro crasso é o censor
o burguês clássico é o censor
(sua informação é o estado de minas
sua informação é o estágio de minas
sua informação é a estafa de minas)
o hábito é a família
o hálito é a família
o álibi é a família
(sua moral é a fachada
sua moral é a fé cega
sua moral é a féria certa)
o padrão é a mediocridade
o patrão é a mediocridade
o panteão é a mediocridade
(sua cátedra é o trêfego
sua cátedra é o trívio
sua cátedra é o trivial)
o tema terno é a sensibilidade
o terra-a-terra é a sensibilidade
o ter-a-terra é a sensibilidade
(sua poesia é a do bilac
sua poesia é a do bivaque
sua poesia é a do biscate)
o mito é a inconfidência
a mística é a inconfidência
a mistificação é a inconfidência
(sua ideologia é a fôrma
sua ideologia é a força
sua ideologia é a forca)
Comentário do pesquisador
Na segunda estrofe – a primeira deslocada e escrita em itálico – há uma progressão de “sua filosofia é o civismo” para “sua filosofia é o cinismo” e finalmente “sua filosofia é o si mesmo”. Desse modo, é revelada uma estrutura recorrente no discurso cívico recorrente nos Anos de Chumbo. O civismo é visto como uma máscara cínica de uma ideologia egoísta. Outras estrofes seguem emaranhando questões sociais importantes da época, a exemplo do que ocorre entre “cristo” (religião, igreja) e o “dinheiro”; o “estadista” (governante do Estado) e o “agiota”; “o homem puro” (expressão que, em 2024, lembra algo como “o homem de bem”) e a sua classe social; a “burocracia” exercida pelo Estado e a “censura” também articulada por ele.