TEMPONOITE
E sobreveio um Tempo sem entranhas. (Presídio Político de São
Anos de pedra espessa, Paulo, maio de 1975)
dias de muro e medo:
a morte invadiu
com seus exércitos
o espaço aberto das ruas
e o silêncio das armas
sepultou com seus ferros
e o manto verde-oliva
os ossos dos meninos trucidados.
E os coveiros do Continente
estenderam seu império
de delatores,
carrascos,
elegantes assassinos
de farda impecável
e coturnos reluzentes,
até o porão das fábricas,
a marcha dos retirantes,
os barracos das favelas,
os bancos das escolas,
os sonhos dos saqueados,
até a última fresta
onde a boca dos humanos
passasse ao humano ouvido
palavras de rebeldia.
E a Noite pensou de si mesma
que era um Tempo sem prazo,
um Tempo que se bastava,
da própria dor se nutria.
Os olhos da Noite cega
não viram fagulhas saltando
na alma das oficinas,
não viram tochas ardendo
na marcha dos retirantes,
não viram os favelados
recriando o fogo vivo
nas estações depredadas,
e os olhos dos estudantes
clareando de esperança
as ruas submetidas.
Os olhos da Noite cega,
não viram o sonho do Povo
reacendendo fogueiras
no ventre da escuridão
enquanto busca romper
as turvas cadeias do sol
e AMANHECER!
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. A segunda edição de “Poemas do povo da noite” (São Paulo, Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil, 2009) inclui o livro “Água de rebelião”, publicado originalmente em 1983. No texto introdutório da edição de 2009, intitulado “Explicação necessária”, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). Após a reprodução de ilustrações de Cerezo Barredo Dial, que constam na primeira edição do livro, a segunda edição apresenta uma dedicatória: “Estes poemas permanecerão ardendo para guardar a memória de Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, assassinados pelos carrascos da ditadura enquanto dormiam”. Logo a seguir, há uma explicação: “Estes poemas tratam de homens reais, de torturas reais, de assassinatos reais ainda impunes” (TIERRA, 2009, p. 169).