A droga do dia
adia o drama:
a drágea desce
o homem dorme.
Um sono ensaiado
sem saídas — som
bulex sem sonhos
ressona, sonado.
Viagem no vácuo
movida a valium:
visita os vazios
e as visões do avesso.
Apalpa a polpa
do corpo em pane:
a pílula apaga
as pilhas, pifam
os sinais do sangue
e seguem, às cegas
as senhas do sexo:
seqüências de setas.
O código do sono
fechado no cofre
do corpo encadeia
a cápsula sem chave.
A vertigem no vidro:
o invólucro envolve
a vida — envelope
comprimido no copo.
Comentário do pesquisador
O eu lírico do poema expressa, entre demais possibilidades de leitura do texto, o uso de droga (isto é, algum recurso que ajude enquanto alívio ou escape) como uma forma de fuga dos problemas enfrentados no dia (isto é, na vida cotidiana, na realidade histórica). Nessa imersão farmacológica ("Viagem no vácuo"), o eu poético para de notar "os sinais do sangue" existentes na própria realidade. Diante do contexto real que se apresenta para essa voz poética de 1970, em pleno período da Ditadura Militar, o sujeito se torna clandestino de (ou em) si, desaparecido do mundo, encarcerado no próprio corpo, criando uma poesia que, em diversas possibilidades de sentido, dialoga, ainda que trancada em si, com um mundo marcado por prisões políticas, desaparecimentos de corpos militantes.