SOBREVIVENTE
Hoje
minhas palavras são
livres como o gavião
ferindo os ares,
porque as trago na
ponta da língua e
sei de cor a
lição que me ensinou
esse tempo de
morte e desespero.
Duras
são as minhas palavras
como esse
fardo de
cicatrizes que carrego,
porque eu
sei dos porões sujos
onde a manhã se
debate, sob
descargas elétricas
e dos frios sumidouros
onde se
abate e retalha como
gado, os da minha
geração.
Os melhores, talvez.
Eu,
por sorte ou fraqueza
sobrevivo.
E se meu coração
esfaqueado
teme a cada esquina
meu ódio
teima em prosseguir.
Meus mortos,
eu não os pude contar,
mas guardei-os, um a
um no meu grito.
Ah, porque quiseram nos
arrancar a alma
Ah, porque intentaram nos
saquear a consciência,
nossos corpos adubarão a feroz
coivara que arrasará
o latifúndio odiento
da injustiça.
Doces
são as minhas palavras
porque elas voltarão
sem esta couraça
de fogo que me defende
e atiça.
Eu viverei o amor que nunca
me foi permitido
mas que estava comigo
desde a mais tenra infância
e serei o terno
rouxinol da manhã
a cantar nos olhos
das novas gerações.
Aquiraz, 8/4/79