sobre o medo
a) o medo
se aloja na medula
como um cubo
de gelo.
o medo
se infiltra no tinteiro
e o congela.
o medo
se instala na palavra
e a enregela.
com o medo,
aprendi o ofício
de armazenar as palavras
como num frigorífico.
com o medo conservo:
dez mil palavrasº
abaixo de zero.
(1977)
b) as palavras que não escrevo
habitam líquidas
o fundo do tinteiro.
as palavras que não escrevo
habitam líquidas
o fundo do meu medo.
as palavras que não escrevo
sempre me olham —
melhor escrevê-las
em portas de mictórios.
as palavras que não escrevo
têm sede de tinta —
melhor escrevê-las
em portas de latrinas.
(1972)
Comentário do pesquisador
O poema é dividido em duas partes, datadas de 1972 e 1977.