"SEM SANGUE DERRAMADO NÃO HÁ LIBERTAÇÃO"
Este poema é dedicado ao Pe. João Bosco Peni-
do Burnier, assassinado pela Polícia Militar de
Mato Grosso em outubro de 1976
Há sol e medo em Ribeirão Bonito.
Há um grito de mulheres em Ribeirão Bonito.
Há um caminho traçado no couro escuro
do medo.
Não sei de onde vens, irmão
— apesar do sol, a noite é densa —
mas, palmilhaste todos os caminhos
do meu povo.
Há dez anos, teu irmão Camilo.
Camilo na vida,
na morte
irmão de todos nós.
Na vida, na morte
Camilo se planta
— semente de fogo —
na carne dos homens.
Sob o sol dessa noite
há doze anos teu caminho se traça.
Há um pranto de mulheres torturadas
a queimar o cerne de tua alma
e na poeira os sapatos se orientam
como se eles próprios, surrados,
colhessem o grão amargo do pranto.
A casa dos suplícios,
a porta do medo: cerrada.
Tuas mãos nasceram livres
e as mãos humanas abrem todas as portas.
O ar se fez barro
e se armou de silêncio
até o estampido.
Viste a morte
e a morte era apenas
um homem sem sonhos.
De tua última vereda
ficou a camisa ensangüentada
— sol nascendo sobre teu corpo —
e uma antiga lição de oprimidos:
"Sem sangue derramado não há libertação".
(out. 76)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Sem sangue derramado não há libertação" integra a seção “A hora do inimigo”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Sem sangue derramado não há libertação” nas páginas 72-73, informa que esse poema foi escrito em outubro de 1976.