Retrato do homem amordaçado

Maciel de Aguiar

RETRATO DO HOMEM AMORDAÇADO

 

À memória de Maiakovski,

poeta desaparecido pela

precocidade da vida.

 

Em seus olhos umedecidos

lavo a alma,

navego meu barco

e mato a sede.

Em sua boca entreaberta

encosto os ouvidos,

aprendo novas lições

e alimento o sonho.

Em suas mãos calejadas

acaricio a face,

descubro o silêncio

e construo meu porto.

Em seus pés descalços

calço os sapatos,

traço o rumo

e encontro os passos.

Em suas veias vicinais

busco o sangue,

navego os desejos

e compreendo o destino.

Em sua cabeça angustiada

acaricio minhas feras,

procuro os pensamentos

e cavalgo a convicção.

Oh!... Retrato do mundo

que me permite viver,

eis-me aqui diante do espelho

como quem descobre os mistérios

que alimentam os demônios

com o sangue dos vencidos.

Eis-me aqui!

Na busca angustiada da paz,

como os que procuram fugir

dos assassinos e tentam

apagar seus nomes

da Lista dos Mortos.

Eis-me aqui!

Como um mensageiro da vida,

entre os escombros da morte

e os fragmentos da esperança,

para oferecer versos panfletários

aos que se esvaem pelo breu.

Eis-me aqui!

Poeta deste tempo,

com a verve em punho,

o verbo engatilhado,

para resistir à tirania,

para registrar a História.

Eis-me aqui!

Com os passos cambaleantes,

perambulando pelo tempo

como quem procura uma luz

diante da escuridão.

Eis-me aqui!

Implorando genuflexamente

que não nos matem aos poucos,

não nos peguem na rua

com os poemas em punho,

não nos façam vomitar

as entranhas sob porradas,

não nos chutem as faces,

não perfurem os sabugos,

não nos levem para testemunhar

o sofrimento dos que foram

conversar com os fantasmas.

Eis-me aqui!

Senhores donos do mundo,

a oferecer os pulsos

às infames algemas,

a ofertar a carne

aos grilhões que nos esperam

há séculos de martírio

para atar as dores

ao sofrimento dos supliciados

agarrados à própria causa.

Eis-me aqui!

Diante de meu tempo

escrevendo para todos,

escrevendo para o hoje,

escrevendo para o amanhã,

escrevendo para ninguém

versos que nunca serão lidos…

Eis-me aqui!

Oh, retrato do homem amordaçado!

 

Ponte Nova-MG, 10.3.70

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