Restaurador

Alex Polari

RESTAURADOR

 

Restauro a dor dos corações partidos

a aura dos amantes despedaçados

as pétalas milenares esquecidas nas alcovas

a ciência dos papiros que viraram cinzas;

recomponho com perfeição cada espirro

espirrado por um rei do Egito

em seu palácio

 

cada sonho lúbrico impregnado na cortina

de uma virgem impenetrada das Índias;

sei recriar em belas palavras os gritos

de dor de cada dissidente

empalado no Oriente

e que teve metade dos dentes

semeados na Pérsia

por força de algum ciclone.

 

Não tenho diplomas nem plumas.

Minha especialidade é restaurar

catedrais góticas

e relações gastas

com uma ótica e um estilo muito próprio.

 

CONSERTO:

Vitrais de santos

que tiveram a beatitude

indeferida por Deus

mediante algum decreto

painéis de guerreiros de Creta

derrotados por outras bichas de Esparta

as colunas de templos esparsos

e o sustentáculo das colinas sem mapas definidos

o lamento dos muros

o manto real puído por baratas pré-colombianas

o cimento dos tempos,

nada, absolutamente nada resiste

à minha arte e ao meu preciosismo.

 

Meu cinzel remodela emoções

sensorialidades, prazeres, esperanças.

Ele disfarça e aproxima

a próxima distância impossível

encurta a versão excludente

faz com que a diversão de um

não seja a dor do outro.

 

Com delicadeza e esmero

ele burila as pedras centenárias

com as quais nos fundamos

com tal beleza drástica e pagã

na total inexatidão das fórmulas matemáticas.

 

Mas ele não opera milagres

nem faz retornar o falso esplendor original.

 

Antes assim:

a ternura com cicatrizes

é melhor que o mito da indestrutibilidade

abandonado que este foi

do meio ao campo de batalha.

Lá contabilizaremos os amantes que tivemos

e antes de cair a noite

e terminar tais contas complicadíssimas

já sentiremos culpa.

Lá, no mármore enegrecido

a memória já esculpiu suas feridas

e a razão suas desculpas.

Lá também estão nossas masmorras

e cemitérios,

as cruzes dos corpos que usamos

apenas para nos ferir

e depois sepultamos

mediante um telefonema ou um bilhete.

 

Mas essas marcas ficarão

eternamente ameaçadoras

dando um sentido desmesurado

aos nossos menores erros

como rente a nós dois

na travessia desse mesmo verso

estão o princípio e o fim

passado ele restará apenas o labirinto

de muros infinitos

onde crescem as novas (h) Eras

dos jardins que se bifurcam

trepadeiras colossais de tempo

onde choraremos

como duas estúpidas samambaias

sentindo nostalgia do futuro.

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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— Financiamento e realização

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